UMA VISÃO CRITICA RADICAL DE UM MUNDO RIDICULARMENTE IMORAL

SER COMPASSIVO É SUBVERTER-SE AO SISTEMA

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O PREGO PERDIDO

A vidas nos proporciona momentos de pequenas e deslumbradas reflexões.
Num sábado ensolarado de maio, perto das três da tarde, convidei a minha esposa e companheira para dar um passeio, com o intuito de aproveitar algumas ofertas no supermercado encontradas num suplemento de jornal. Nos primeiros metros do percurso, descobrimos que a gasolina estava no final e decidimos desviar do caminho e completar o tanque.

- Se o senhor quiser lavar o carro, pode encostar ali embaixo. Não tem fila nenhuma - o frentista falou olhando o carro de cima em baixo.

Ele estava com toda razão, pois o nosso carro estava precisando de uma bela ducha. E aquela oportunidade era única e não podíamos perder.
Encostamos o carro perto do lavador e ficamos a observar o homem a esfregar uma velha Caravan que por mais que a lavagem fosse no capricho nada mudaria a sua performance.
- Vamos dar uma volta - convidou a minha esposa. Penso que deve demorar um pouco.
Saímos a caminhar em volta do posto e encontramos dois paralelepípedos, previamente dispostos ao lado do muro, que nos convidava a sentar. Ao aproximarmos, avistei um prego que se escondia entre as pequenas gramídeas que crescia entre os losangos de concreto que calçava o chão. Sentei-me e apanhei aquele objeto e fiquei a imaginar como aquele prego, que a tanto tempo estava escondido entre as pedras e os arbustos, fosse chamar a minha atenção. As mãos ficaram amareladas por tocar ferrugens que já tomavam conta de toda a sua superfície. Era um prego grande, daqueles usados para fixar o madeiramento do telhado da casa. Era ainda sem uso.
Observando o prego, o comparei à uma situação vivida por mim à algumas semanas quando uma pessoa, em uma conversa informal de assuntos comerciais, sentiu abertura par contar uma história de sua vida que me deixou perplexo, pois não podia imaginar, uma pessoa que via todos os dias, estivesse passando por tamanha dificuldade sem que meus olhos pudessem enxergar ou meus reflexos perceber.
Depois daquela história, ficamos amigos e falamos da vida, das coisas puras. Falamos da família e do respeito. Falamos do mundo e dos sofrimentos . Falamos de gente e das emoções. Falamos pecados e de perdões. Falamos de Deus e da fé.
Aquela pessoa, como o prego, estava ali o tempo todo, querendo ser "achada" e ninguém conseguia encontrá-la. Até que num revés da vida, uma olhada mais tênue, mais tranqüila ( talvez sem muito compromisso), conseguimos nos ver prontos a nos olhar por inteiro e se tocar nas emoções ( até manchar um pouco as mãos, como no prego), e descobrir que podia levá-la a um local seguro onde ela poderia ser útil.

Assim como o prego que de novo pudesse ser conduzido à sua função definida, ela agora poderia ser novamente gente e pudesse ser conduzida a estrada reta e ser vista por todas as pessoas: de cabeça erguida e de peito aberto.
Eu encontrei um prego e posso dar a ele um destino útil ao mundo.
Eu encontrei uma pessoa que estava perdida e com um pouco de carinho, um pouco de ombro, um pouco de ouvido, a fiz ser útil a si mesma.

- A velha Caravan ficou pronta, já é nossa vez.
- Olhe, eu achei um prego...