UMA VISÃO CRITICA RADICAL DE UM MUNDO RIDICULARMENTE IMORAL

SER COMPASSIVO É SUBVERTER-SE AO SISTEMA

quarta-feira, 4 de maio de 2011

VIDAS AMEAÇADAS

São sete horas da manhã na cidade, na rua o catador de reciclável inicia sua rotina diária. Defronte a uma escola uma caçamba de entulhos e lixo, postada silenciosa na calçada é um alvo certo para buscar latinhas e papelão que renderão alguns trocados àquele jovem trabalhador da rua.


Em movimentos rápidos e determinados, o jovem catador remexe os sacos de lixos dispostos em desordem dentro da caçamba misturados com entulhos e papéis. De repente, dentro de um dos pacotes algo lhe chamou a atenção. Parecia um rosto de criança. Seria uma boneca? O odor e o modo em que fora enrolada numa toalha de banho deixaram–o assustado e no desespero correu imediatamente a avisar os responsáveis da escola do fato em que presenciara.

- Tem um bebê na caçamba de lixo! Está dentro de um saco!

Vieram os professores e os funcionários que constataram a presença de um corpo de uma criança recém nascida do sexo feminino, com apenas quatro dias de vida. Imediatamente notificaram a policia que tomou as providencias necessárias.

Uma vida que começa ameaçada de ser ceifada antes mesmo de iniciar sua caminhada de experiências. Uma história que começa pelo fim.

Uma câmera de vigilância da rua flagrou o momento preciso em que a mãe colocara o bebê na caçamba, o que foi primordial para a sua identificação.

Uma mulher de 39 anos, já com outras histórias de abandono, outros 4 filhos e uma mente muito atormentada, talvez pelo consumo de drogas ou pelo estresse do cotidiano.

O que a justiça vai dizer? O que a medicina vai explicar? Quanto vale uma vida? Como evitar as ameaças da vida?

Viver ou morrer: uma decisão que parece que já não é de Deus. Começa com a concepção desautorizada ou uma relação desestruturada e termina com a decisão de mentes doentes sem formação ou coerência munidas apenas pelo egocentrismo, que toma atitudes sem atentar pelas conseqüências.

A igreja condena o aborto precoce, mas não acolhe a vida concebida. A justiça condena os atores do aborto, mas não facilita a adoção dos filhos indesejáveis. O povo se revolta em emoção, mas não exterioriza suas reações para cobrar resultados políticos.

A criança encontrada na caçamba de lixo pode viver ou morrer. Se morrer será mais um mártir, e será lembrada nas manchetes de jornais e chamadas televisivas, mas se viver será mais um multiplicador, que de volta à sociedade, dada a prioridade de criação e educação para da família, encontrará as mesmas dificuldades de sobrevivência da mãe que a colocou no mundo.

Porém, se a felicidade bater-lhe à porta e os caminhos da justiça facilitar a adoção, uma família estruturada pode lhe oferecer o essencial e o amor e esta com certeza superarão as dificuldades genéticas e trilhará os caminhos do bem, da igreja e do sucesso.

Paulo Freitas

27/04/2011

DIA DE ACAMPAMENTO

Oito horas da manhã e os jovens começam a chegar ao local do acampamento. Mochila nas costas, sorriso no rosto, ansiedade no coração.

No horizonte o sol tenta se mostrar entre as nuvens que ainda persistem em atrapalhar o sonho de um dia bonito e cheio de aventuras.

Um coral de insetos ainda é ouvido entre as folhas de dos eucaliptos e a grama rasteira que margeia o alambrado do campo reservado para montagem das barracas. Um pássaro de peito amarelo e topete vermelho vem se assentar no galho do pinheiro que se coloca inclinado mostrando a resistência de suas raízes apesar dos vendavais que assolam o seu tronco nos verões e outonos de chuvas fortes. Será um pica-pau? Não deu tempo para verificar, outros da mesma espécie chegam e o bando levanta vôo e se movimenta para outras árvores do derredor.

Alguém passa com as bandeiras nos braços, e uma fila de meninos uniformizados se coloca à disposição para ajudar na colocação das bandeiras nas adriças para hasteamento.

O sol se fez presente, ainda um pouco tímido, mas com jeito imponente pronto para por em jornada as nuvens que rondam o céu.

Três apitos se ouvem como um grande chamado. Vai iniciar a brincadeira com a seriedade de um modelo patriota de formação de caráter. Com a formação quase militar, os meninos e meninas se colocam em fila indiana em movimentos de braços e bastonetes e com palavras de ordem que são proferidas num tom alto e determinado:

- Patrulha, cobrir. Monitor, patrulha pronta. O grito!

- Chefe, Patrulha Andorinha se apresentando.

- Descansar...

A cerimônia de hasteamento das bandeiras é simples, mas de muito respeito.

- Hoje é a meio mastro, estamos de luto oficial.

- Em saudação às bandeiras, hastia!

Sob os olhares silenciosos do grupo, as bandeiras deslizam até o topo do mastro e descem em posição.

- Descansar!

Muita energia exala de cada jovem. A vontade de fazer as atividades do dia propõe a cada um uma sequência de ações que é orquestrada por uma disciplina conquistada ao tom de pequenas ações. O trabalho em grupo é a principal ferramenta de trabalho dos monitores e chefes.

Barracas, cozinha, portais, pioneirias, de repente o terreno vermelho de terra batida ganha cores e movimentos de vida. Sisais e bambus se transformam em cercas, mesas, e muitos objetos de uso coletivo. Estruturas amarradas viram espaços cobertos com grandes lonas prontas para montagem das cozinhas e intendências.

Com a utilização de conhecimentos adquiridos no adestramento de cada especialidade, os jovens se tornam capazes de fazer coisas básicas como cozinhar alimentos básicos, prestar socorro, utilizar ferramentas de mão, orientação através de bússola e sinais naturais, reconhecer insetos e animais silvestres bem como os bichos peçonhentos da natureza.

Diversão e jogos intercalam as cobranças de atitudes e o peso da aprendizagem fica ameno.

Após o jantar, os esquetes do fogo de conselho sugerem uma dinâmica própria de desencantamento e desinibição induzindo ao drama, histórias do cotidiano e mensagens ligadas ao tema escolhido vão sendo contadas de forma cômica e divertida fazendo sorrisos e gargalhadas brotarem nos rostos avermelhados dos jovens expostos ao calor da fogueira que dançam em labaredas orquestradas pelo vento

O cansaço sugere ao sono. Depois das brincadeiras informais em cada barraca, o silencio é sugerido pelo chefe de campo. Uma ou outra gargalha ainda se ouve mas aos poucos, no silencio da noite, só se ouve ao longe os ruídos dos carros e caminhões da auto-estrada que insistem em quebrar a monotonia do campo.

O novo dia começa em paz. O equilíbrio pondera os erros, a técnica de aprender fazendo, conquista segurança no trabalho a ser feito, como nas decisões a serem tomadas. O respeito ao individuo e os valores inerentes a cada etapa da formação da personalidade, vão sendo inseridos no pequeno cidadão de forma simples e sem traumas.

A previsão de chuva acelerou o processo de desmontagem das barracas. Alguns reclamam o final da atividade outros reclamam a saudade de casa, mas enfim todos se orgulham da soma dos pontos conquistados nas diversas inspeções e apresentações das patrulhas.

Ao toque de três apitos é traçado mais um final.

As condecorações entregues emocionam aos jovens e aos pais. As conquistas são como troféus dispostas no uniforme a representar uma caminhada passo a passo nas trilhas de Badden Powell.

- Chefe Patrulha pronta.

- Arriar a bandeira.

- Descansar

- Debandar

O caminho de casa é a busca ao banho de ducha e ao chocolate quente preparado com carinho pela mamãe. Mas ficarão presentes em suas memórias estes momentos que com certeza serão contados ou escritos como histórias em algum lugar do futuro.

Jovens: de malas prontas para viajar em busca do comando do mundo.

Escoteiros: um bilhete comprado e marcado para seguir nas alegrias de muitas aventuras e fechar com a responsabilidade de preservar o que resta da natureza.

Paulo Freitas abril/2011

segunda-feira, 18 de abril de 2011

DEPRESSÃO

Era o ano de 1991. O governo Collor de Mello estava assumindo uma postura de acertos econômicos para o Brasil e desacertos para toda a população de classe média.

As indústrias começaram a se organizarem e o conceito administrativo de reengenharia era o que mais se aplicava. Cada setor da economia se arranjava como podia para sobreviver ao confisco das poupanças e das aplicações financeiras.

Neste ano também fomos atingidos de uma forma brutal: perdemos as nossas economias e o nosso emprego.

Que sorte: ainda tínhamos o fundo de garantia... E começamos a buscar um novo emprego.

Foram oito meses de busca e respostas negativas. Acabaram-se as esperanças e começamos a cortar os pequenos gastos supérfluos. A cabeça começou a fraquejar: o que será que acontece, o que valeu estudar tanto. Não podemos ficar a mercê de ser sustentado pela esposa. Eu preciso fazer alguma coisa, mas o quê?

Fizemos: começamos a pensar besteiras, cometer injustiças com a família, tentando culpa-los pela incapacidade. Tudo começou a desabar. Era a depressão.

Percebemos a tempo de não sucumbirmos nos buracos da baixo auto-estima. Fomos procurar ajuda junto aos amigos e recebemos apoio: fomos salvos por três frases bastante curtas – você tem - você pode - você consegue.

Tinha: Deus, a vida, saúde, a família. Podia tudo o que quisesse. Consegui...

Hoje vemos o mundo com mais clareza; buscamos sempre um trabalho direcionado a atividades que dão prazer ou que leva prazer à outras pessoas. Mas vemos a maioria da população, pelo menos esta a que temos acesso, num caos emocional muito grande. As buscas pelo poder, pela perfeição e pelo sucesso financeiro sempre causam grandes perdas ao relacionamento social.

Nós observamos nas ruas e em todos os meios de comunicação a propaganda incoerente de grupos religiosos que fazem milagres de todos os tipos: salvam a alma, salvam a empresa, saram as feridas, curam os aleijados, etc...

Vemos grandes catedrais sendo construídas em nome deste Deus; e dentro destas casas só se falam o nome do Inimigo. Todas as reações do corpo à uma má alimentação, à uma vida sedentária sem qualidade, à uma repressão da família, à uma decepção amorosa (...) Tudo é considerado obra do dele ( o antagônico). É preciso deixar bem claro, é preciso falar o nome dele senão não vale.

Será que estes dirigentes religiosos amam mesmo a Deus, da forma que ele quer ser amado? Como está a comunidade dentro destas grandes catedrais. Como está o amor ao próximo? Onde está a solidariedade entre os irmãos? Será que cada irmão que está clamando a Deus, sabe o nome daquele que está ao seu lado, conhece o problema do irmão, ofereceu uma palavra amiga, quis saber da família (se vai bem), se tem comida na sua dispensa, se tem trabalho para se sustentar, se está sendo amado? (...)

É fácil ser egoísta quando se busca a manutenção das necessidades supérfluas. É preciso ver o ser humano ser egoísta quando estão faltando as necessidades básicas: casa, comida na mesa e paz.

Quantas pessoas poderiam ser salvas se diante das suas lamentações, os “pastores” buscassem o Deus em cada um e não o inimigo.

Se dessem poder aquisitivo para sobrevivência dos fiéis e não saquear o pouco que têm em nome do “dízimo”, da bíblia e de Deus.

Se dessem mais amor a Deus e pedissem menos curas (...)

A depressão e o estresse estão matando muito. E não é por falta de Deus. É por falta de uma palavra amiga, de um carinho, de um momento de prosa...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

BENÇA, MAMÃE.

O portão se abriu e ela veio sorridente me receber. Um abraço gostoso de amor verdadeiro, de paz, de alegria, de satisfação.
Bença, mamãe!
Deus te abençoe, Paulinho. Deus abençoe você por ter vindo me ver.
Um beijo na minha face sacudiu as minhas emoções. Já fazia mais de quinze dias que eu não via a minha querida mãe. O meu coração chorou mais ainda quando sentou-se do meu lado, apanhou a minha mão e perguntou:
- Você está bem? Estou preocupado com a sua saúde. Você está fazendo o regime que o médico pediu?
Fiquei com vontade de perguntar sobre a saúde dela, mas não perguntei, apenas respondi efusivamente às suas perguntas, como se a minha saúde era tudo de mais importante no mundo.
De repente me senti pegado no colo. Ela me abraçou, me falou da vida, da perseverança, das minhas doenças infantis e da minha adolescência.
Deitei no seu colo e com lágrimas nos olhos falei das minhas fraquezas, dos meus medos, da minha incoerência e da minha incompetência de amar a vida na plenitude. Ela me afagou.
O seu afago me tornou criança. Fechei os olhos ainda molhado e lembrei-me da sua proteção quando na minha timidez me escondia do mundo e da realidade. Vi-me ainda descalço pisando num caco de vidro e a busca desesperada do pó de café para estancar o sangue que não parava de jorrar. Nos primeiros dias de aulas, o carinho com que penteava meus cabelos para que eu ficasse “mais bonito”. O caldeirão de comida e o embornal azul que entregava em minhas mãos, prontos para o caminho da escola. Vi-me na adolescência tomando atitudes contra a vontade do meu pai e ela me apoiando incondicionalmente. Vi-me moço, chegando da faculdade tarde da noite e encontrando em cima do fogão o prato pronto do meu jantar. Vi-me homem, já formado, anunciando o meu casamento. Senti a separação naquele momento.
Abri os olhos de sobressalto, olhei em seu rosto e vi no seu semblante o peso da velhice dos seus quase oitenta anos. Levantei-me do seu colo, abracei-a muito apertado e disse-lhe olhando nos olhos:
- Mamãe eu te amo muito.
Ela chorou. Um choro contido de alegria. Levantou-se, foi até a cozinha, enxugou os olhos e me convidou:
- Vem pra cá Paulinho. Vou fazer um café prá nóis...
- Esfreguei os olhos com as costas da mão direita e fui sentar-me na cozinha enquanto do fogão exalava o cheiro gostoso do café fresco.
Ela serviu o café com um naco de biscoito de polvilho e um queijo meia cura. Conversamos ainda por meia hora. Um forte abraço e um beijo selou a despedida.

- Tchau! Bença mamãe. Eu te amo muito.

- Tchau, me filho. Deus te abençoe. Eu também te amo muito.

Paulo Freitas

Nov/2010

ENCONTRO DE GERAÇÕES

Um vazio de silencio ecoa nos ruídos dos palavreados e a voz miúda do anfitrião cambia simples e tímida na intenção de agradecer tamanha homenagem ora prestada ao sexagésimo aniversário de vivencia.

Os olhos úmidos pela sinceridade das palavras causaram emoção nos corações dos fraternos presentes que num desabafo replicou uma grande salva de palmas.

O segundo de seis filhos de um casal de sertanejos, ele ainda traz nas palavras os sotaques e trejeitos do jeitão de caipira que muito o orgulha. Amante da música sertaneja raiz e das danças típicas como o catira e a chula, busca a alegria de viver em toadas que o seguiram pela infância afora e o conduziram em caminhos de caráter e retidão.

Lembra-se com muito orgulho, das responsabilidades de trabalho designadas pelo pai na lida do café e das hortaliças que fora os dois grandes esteios da manutenção e da fartura da família.

Recorda-se com tenacidade de grande auto-estima dos momentos em que, na ausência do pai, tomara atitudes de liderança na posição de filho mais velho, como no momento de mudança radical dos rumos da família, quando ao término do contrato da cultura do café, foram obrigados a tomar o caminho da cidade para buscar a sobrevivência em tempos de êxodo rural. Com dezenove anos incompletos, formação escolar primária e uma vivencia apenas rural, foi titulado pelo pai como ator principal de teatro de ações que começara na entrega do sitio, a venda dos animais e até a viagem levando a família em definitivo para morar em Campinas.

Moço de linhagem simples e cultura sem privilégios aprendeu com o pai que o trabalho é tudo para o homem, que o caráter, o respeito e a responsabilidade permeia o palco de qualquer relação, e que o pódio de cada conquista depende da determinação e da confiança com que se encara o jogo.

No acúmulo de troféus e vitórias, enumera-se grandes eventos importantes como a escolha da grande companheira que trilhou e direcionou os caminhos da vida a dois; o nascimento das duas filhas que enfeitaram, movimentaram e deram sobrevida ao casamento dos dois que fora traçado e escrito nas estrelas. Outros momentos a enumerar foi o nascimento dos netos, que entre os reveses, encontros e desencontros, foram recebidos dentro de lares cheios de amor e harmonia e com o compartilhamento e humildade conquistaram a educação e a disciplina que precede o exemplo e o modelo dos pais.

Campinas foi o palco deste grande encontro. Presentes a matriarca, todos os irmãos, filhas, genros, netos, sobrinhos, cunhados, primos e amigos. Este reencontro de família foi infinitamente lindo e marcante para todos, pois lembra momentos de alegria quando ainda tinha viva a presença do pai entre todos. Lembra também o desencontro, quando foi preciso deixar os fraternos em Campinas e buscar em Fernandópolis a independência financeira.

A grande distancia da família raiz por quase vinte anos veiculou a necessidade de atitudes de vida que engrandeceram as experiências, elevaram as motivações e criaram novas histórias, pitorescas ou não, mas que deverão ser contadas nas prosas do cotidiano e nos teatros familiares onde as platéias com certeza serão de netos e bisnetos e estarão atentos aos detalhes das lembranças e aos cabelos brancos que hão de povoar a sua cabeça, o disco rígido armazenador de memórias, onde hoje com certeza ainda sobram espaços e muitos gigabytes para preencher.
 
Paulo Freitas
Nov/2010

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A CAMINHO DA ESCOLA

O dia parecia igual aos outros. O sol ainda demorava para mostrar-se no horizonte e todos se movimentavam de um lado para outro na casa em busca de seus objetivos. Num canto da cozinha, sentado numa cadeira de palha de taboa, Paulinho olhava com os olhos ainda remelentos da noite de sono, as chamas do fogão que ardiam num tronco de madeira a esquentar a água da chaleira. Sua mãe cantarolava uma cantiga qualquer enquanto manipulava os utensílios para passar o café no coador de pano .
As pequenas labaredas do fogão induziam o pequeno a imagens de angústia e desespero. O seu coração batia apressado. Cada minuto que passava aumentava a sua palpitação e parecia que o seu peito ia explodir. A expectativa e a ansiedade de uma novo acontecimento, mexia com toda a sua integridade física e emocional. Hoje, era o dia . O primeiro dia.
- Vá lavar essa cara menino , dizia sua mãe.
- Vá tirar essas remelas!
E foi. E junto com ele seguia o desespero de enfrentar uma situação nova no seu pequeno mundo infantil.
Naquele tempo, a pouca vida social e a timidez lhe faziam sempre mergulhar em suas entranhas para vivenciar as suas estórias onde não existiam nada além do sítio, da família, dos animais e um mundo de aventuras solitárias.
- Pronto, já lavei o zóio. O que que eu faço agora? - pensou ele sentando-se novamente na cadeira e ficando a observar sua mãe no preparo dos caldeirões de comida que serviriam de merenda .
- Vamo, minino, vai trocá de roupa que os outro já tão pronto” - gritou sua mãe.
Ele demorou a levantar-se. O que ele queria mesmo é que a mãe lhe ajudasse naquelas tarefas. Que conversasse com ele . Que o encorajasse. Que lhe fizesse um gesto de carinho. Não! Ele sabia que não havia tempo e nem ambiente para isso. Com os seus seis anos de idade, já tinha alguma independência e qualquer carinho solicitado a mais era considerado “frescura” ou capricho.
- Anda logo, sinão o teu pai...
Antes que a mãe terminasse, se levantou depressa. Sabia que com a severidade do pai não se brincava e num instante estava de volta à cozinha:
- Pronto! Já tô pronto - resmungou baixinho perto de sua mãe.
- Então toma o café e pega o teu imborná e o teu carderão de cumida” - instruiu a mãe em meia voz. - Os teus irmãos já tão esperano no caminho.
O caldeirão era de alumínio, novinho em folha. Aquele brilho fosco lhe fazia lembrar o dia da compra no armazém da vila: foi a primeira dor no coração daquele menino. Não havia mais dúvida: havia chegado o tempo , não tinha mais volta.
Pegou o caldeirão pela alça. A tampa era fixada por um elástico branco preso nas duas argolas de fixação da alça. Arrumou o embornal no ombro e saiu.
- Bença mamãe!” - e a mãe respondeu com uma voz carinhosa, e um olhar de afago:
- Deus te abençoe , meu filho! Vá com Deus!
E seguiu o seu caminho atrás dos irmãos que já puxavam uma pequena distância .No embornal azul pendurado no pescoço trazia além de um lápis, um caderno e uma borracha, a esperança nova que seus pais depositavam no futuro daquele menino, que começava os primeiros passos da educação no grupo escolar e haveria de fazer o ginásio, formação inédita para filhos de roceiros daquela região.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O PREGO PERDIDO

A vidas nos proporciona momentos de pequenas e deslumbradas reflexões.
Num sábado ensolarado de maio, perto das três da tarde, convidei a minha esposa e companheira para dar um passeio, com o intuito de aproveitar algumas ofertas no supermercado encontradas num suplemento de jornal. Nos primeiros metros do percurso, descobrimos que a gasolina estava no final e decidimos desviar do caminho e completar o tanque.

- Se o senhor quiser lavar o carro, pode encostar ali embaixo. Não tem fila nenhuma - o frentista falou olhando o carro de cima em baixo.

Ele estava com toda razão, pois o nosso carro estava precisando de uma bela ducha. E aquela oportunidade era única e não podíamos perder.
Encostamos o carro perto do lavador e ficamos a observar o homem a esfregar uma velha Caravan que por mais que a lavagem fosse no capricho nada mudaria a sua performance.
- Vamos dar uma volta - convidou a minha esposa. Penso que deve demorar um pouco.
Saímos a caminhar em volta do posto e encontramos dois paralelepípedos, previamente dispostos ao lado do muro, que nos convidava a sentar. Ao aproximarmos, avistei um prego que se escondia entre as pequenas gramídeas que crescia entre os losangos de concreto que calçava o chão. Sentei-me e apanhei aquele objeto e fiquei a imaginar como aquele prego, que a tanto tempo estava escondido entre as pedras e os arbustos, fosse chamar a minha atenção. As mãos ficaram amareladas por tocar ferrugens que já tomavam conta de toda a sua superfície. Era um prego grande, daqueles usados para fixar o madeiramento do telhado da casa. Era ainda sem uso.
Observando o prego, o comparei à uma situação vivida por mim à algumas semanas quando uma pessoa, em uma conversa informal de assuntos comerciais, sentiu abertura par contar uma história de sua vida que me deixou perplexo, pois não podia imaginar, uma pessoa que via todos os dias, estivesse passando por tamanha dificuldade sem que meus olhos pudessem enxergar ou meus reflexos perceber.
Depois daquela história, ficamos amigos e falamos da vida, das coisas puras. Falamos da família e do respeito. Falamos do mundo e dos sofrimentos . Falamos de gente e das emoções. Falamos pecados e de perdões. Falamos de Deus e da fé.
Aquela pessoa, como o prego, estava ali o tempo todo, querendo ser "achada" e ninguém conseguia encontrá-la. Até que num revés da vida, uma olhada mais tênue, mais tranqüila ( talvez sem muito compromisso), conseguimos nos ver prontos a nos olhar por inteiro e se tocar nas emoções ( até manchar um pouco as mãos, como no prego), e descobrir que podia levá-la a um local seguro onde ela poderia ser útil.

Assim como o prego que de novo pudesse ser conduzido à sua função definida, ela agora poderia ser novamente gente e pudesse ser conduzida a estrada reta e ser vista por todas as pessoas: de cabeça erguida e de peito aberto.
Eu encontrei um prego e posso dar a ele um destino útil ao mundo.
Eu encontrei uma pessoa que estava perdida e com um pouco de carinho, um pouco de ombro, um pouco de ouvido, a fiz ser útil a si mesma.

- A velha Caravan ficou pronta, já é nossa vez.
- Olhe, eu achei um prego...

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

TEM UMA FAMILIA DE SABIÁ MORANDO NO MEU QUINTAL


Acordei às seis horas da manhã desta terça-feira, e, com minha cabeça ainda no conforto do meu travesseiro de “penas de ganso”, ouvi ao longe, o canto de uma sabiá.
- Parece que estamos na roça! – Pensei.
Fazendo a higiene matinal, ainda conseguia ouvir aquele canto característico, cada vez mais perto e mais longo.
- Ele deve estar procurando uma companheira. – Pensei.
Imaginei a solidão de um passarinho a cantar, procurando alguém que lhe oferecesse um pouco de carinho e calor nas noites frias deste inverno. Talvez estivesse cantando a tristeza de uma viuvez precoce, provocada por um desnaturado inimigo da natureza, que para sua alegria pessoal e egoísta, houvesse capturado a sua companheira.
Continuei a ouvir. Da janela do quarto entreaberta, pude perceber que aquele canto melancólico melodioso vinha talvez do nosso pé de ipê. Fiquei atento para observar a ave que tão raramente víamos em nosso quintal urbano, mas não consegui, apenas continuei a ouvir o seu canto, enquanto preparava o café da manhã antes de seguir para o trabalho cotidiano.
As melodias dobravam em notas singelas de chamado, mas nenhuma nota se ouvia em resposta.
Depois do trabalho ao entardecer, ainda ouvi o triste cantar daquele pássaro e então pude observá-lo rondando o meu quintal com seu bico a gorjear frases irreconhecíveis ao nosso ouvido, porém com notas muito mais intensas, mostrando a sua insistência na busca de sua parceira.
Na quarta-feira de manhã, mobilizamos toda a família para ficarmos atentos ao pássaro. Não foi difícil encontrá-lo pousado na jaboticabeira a gorjear. A surpresa porém foi muito grande, quando lá estavam, não apenas uma ave cantando feliz, mas outras três companheiras já buscavam a solidariedade daquela alma.
Ficamos muito mais felizes ainda, quando percebemos que os dois casais, sim, os dois casais, procuravam insistentemente sobre as folhas da palmeira imperial, um lugarzinho para construírem seus o ninhos de amor.
Com a câmera em punho, rastreamos o seus movimentos e com ela capturamos sua insistência em mostrar para sua nova companheira o lugar que escolhera para viverem felizes para sempre.

Como nós, seres humanos, este sabiá busca a felicidade. Mas para nós há um sério agravante: não sabemos cantar a melodia certa para o chamamento da cara metade.
Quantas pessoas saem à noite para as baladas à procura de um companheiro ou companheira, que as façam felizes de verdade. Não sabem cantar a melodia do encontro e se sujeitam a cantar qualquer música atraindo indesejáveis companhias.

Quantas pessoas infelizes choram sua tristeza, por trás de uma dezena de beijos equivocados, de uma noite banhada de melodias alcoólicas? Quantas pessoas fazem chorar quando tentam cantar, sem saberem direito o canto e se perdem precocemente no óbito de acidente ou drogas? Quantas almas são perdidas. Quantas vidas...

Tem uma família de sabiá na minha casa. Eles construíram seus ninhos nas árvores do meu quintal.
(Fotos: Maria Beatriz)

domingo, 2 de agosto de 2009

UMA REUNIÃO DE IGREJA DIFERENTE

Quando se fala de reunião de igreja, pensa-se sempre que vai ser um saco. Todos chegando com a Bíblia debaixo do braço e fazendo orações para tudo que é santo, pedindo benção, abençoando, dando glória...
- Vamos rezar um terço antes de começar a reunião. Uma dezena para a Dona Maria que se recupera de uma cirurgia que sofreu na semana passada. Outra dezena para o Seu José que está convalescendo no hospital.
- Todos de mãos dadas... Agora vamos cantar um “cântico”.
- PÁRA...

É bom orar para os doentes, para os pobres, para os menos favorecidos. Mas hoje eu quero falar de uma reunião de igreja diferente:

Todos trazem um sorriso no rosto. Nas mãos um refrigerante e uma sacola de pão. Um pedaço de carne para o churrasco. Um abraço de carinho e de confraternização e uma vontade imensa de ser feliz. Deus com certeza vibrando no peito de cada um querendo estampar sua divindade na obra de sua criação.

- De mãos dadas sim, para cantar a amizade que se iniciou por obra de Deus, num encontro de disponibilidade, voluntariado e entrega.
“Agora vamos cantar um canto que lembra o meu primeiro encontro com a Cida. Foi folclórico o nosso início de namoro. Foi Deus que fez ela me escolher. (Só por Deus). Canta aí professor!!”
- Eu também quero contar a minha história: “Contemplando o anoitecê, vendo o céu escurecê, eu fico oiando prá tráis, vejo lá longe o passado, o estradão que eu tenho andado, que não vorta nunca mais...”

Momentos de recordações, de experiências, de vida, de amizade, de saudades. Isto é a igreja que eu quero pregar. Uma Igreja rica de sentimentos, transbordando na vontade de ajudar o outro. Não quero pregar uma igreja cheia de dogmas, de “nãos”, de regras. Quero pregar uma igreja cheia de modelos de alegrias, exemplos de casamentos eternos com Deus, exemplos concretos de partilha, solidariedade e respeito ao dom da vida e do “livre arbítrio”.
Quero ser evangelizador, para levar palavras de amor e de esperança, para as pessoas que ainda não conquistaram a sua independência existencial. Quero ser transmissor da energia, que cura os doentes do mundo moderno. Quero ser um emissor de energia da paz!

Que bom se pudéssemos nos reunir sempre para falar de coisas boas ou fúteis, mas que nos levasse a repensar a família, o casamento, as lembranças da vida, o dia a dia do trabalho.

Que bom falar dos sonhos, das conquistas, dos mistérios da vida a dois. Que bom falar...

Eu recebi na minha casa hoje os amigos da igreja. E falamos de muitas coisas, inclusive de Deus.

terça-feira, 14 de julho de 2009

UM MOSQUITO EM PRETO E BRANCO (2007)

O trabalho fluia em plena quarta-feira e de repente o peso da caneta bic parecia aumentar nos vãos dos dedos. Os olhos não conseguiam mais se concentrar no objetivo dos papéis que necessitavam de assinatura. A cabeça pesava e os pensamentos desapareciam como se viajassem pelas paredes da sala. Num súbito movimento , tentamos caminhar pelo corredor: uma xícara de café, uma palavra com o colega de trabalho. Nada fazia retroceder aquela situação de febre e dores musculares que se iniciara e que aos poucos tomava vultos insuportáveis.

Uma volta no pátio, uma caminhada pelo sol, mais uma tentativa de retorno ao trabalho. Nada. As faces ardiam o calor de uma sonolência que insistia em prolongados bocejos. A cavidades oculares eram estranhos motivos de uma dor sem fim. O caminho de casa era o melhor remédio.

Uma passada na farmácia e a busca de um atenuante para aquela situação, foi a resposta encontrada em três palavras que deram seqüência a 10 dias de seguidas conseqüências: pode ser dengue...
O médico foi consultado e cada vez mais a verdade se concretizava: tudo indica... Vamos fazer os exames de praxe...

Agora é só esperar. O Sábado já manchava todos o nosso corpo por um vermelhão que insistia no desconforto de uma coceira incessante que arrancava momentos de profunda inquietude ao descanso e ao sono.
A espera chegava ao final. Após muitas doses de anti-térmico e algumas doses de anti-alérgicos , tudo começava a voltar ao normal. Agora era só repousar e relaxar.

Inseto malvado.
Picou também a nossa família. Agora sofremos ao ver também a
Os nossos entes queridos a passar pelo mesmo caminho de sofrimento.

Inseto miserável.
Como pode este ínfimo inseto rajado de listas pretas, corresponder a tantos transtornos na vida da gente.

Povo miserável.
Como pode tanta surdêz aos pedidos de socorro e tantas desatenções para a limpeza e a desobstrução das águas, que incentivam a procriação destes insetos.

Homens miseráveis:
A destruição da flora e do meio ambiente contribui para a migração de todos os tipos de animais para o ambiente urbano. Juntando a ambição dos grandes empresários e o desmazelo das autoridades sanitárias, criamos o incentivo para estes pequenos insetos a se reproduzirem em grande escala utilizando o próprio sangue contaminado dos homens como néctar de suas crias.

Saúde abençoada:
Passou. Agora somos um número nas estatísticas de um surto que não para de crescer.

Que Deus tenha pena de todos nós. Amem...

ESPIGAS E CASAIS

Eu viajava de volta da cidade de Montes Verdes, uma cidade turística muito bonita de Minas Gerais que preza pela preservação das suas tradições caboclas.

No acostamento da estrada estava um caboclo vendendo milho de sua roça. Parei e percebi que as espigas de milho estavam todas colocadas em baldes de plásticos, dispostas ao redor de dois grandes balaios.
- Boa tarde, Senhor, disse.
- Tarde - respondeu o caboclo
- Por quanto o senhor está vendendo o seu milho ? Perguntei, pegando uma espiga do balaio.
- É treis conto cada barde... - respondeu ele tomando a espiga de minha mão.
- Quantas espigas tem em cada balde?
- Eu ponho sempre treis casar. Às veis tem uns mais gordim outros mais magrim, mais sempre cabe todo mundo.
- E se eu quisesse comprar mais? O senhor não vende cada espiga à base de cinquenta centavos, aí eu vou levar umas vinte e cinco. É que eu quero levar para minha mãe para fazer umas pamonhas...
- Num vai dá não, sinhor. Num quero fazê nehuma desfeita pro senhor, mas essa estória de cinqüenta centavo tá me cheirando prejuízo. Tem munta gente esperta nestas estrada. Eu já passei por cada uma, o sinhor num sabe... E digo pro sinhor , é que eu trago de casa sempre os casar certim, se eu desfazê eles dispois eu num consigo mais vendê.
- O senhor não vai ter nenhum prejuízo não. - respondi achando estranho esta história de casal. Veja bem: se o preço do balde é três reais, no balde tem três casais , cada casal custa um real, logo, cada espiga custa cinqüenta centavos.
- Isso num dá certo não, sinhor. - insistiu o moço diesconfiado. - Esse negócio é muito compricado. Eu num colocá esse mundo de casar drento do barde. Isso eu num capais não, sinhor. Eu só sei vendê de barde memo.
- Mas você não precisa colocar no balde - eu falei, já quase perdendo a paciência. - A gente conta as espigas. Veja bem: se cada espiga custa cinqüenta centavos, são vinte e cinco espigas, logo, eu pago pro senhor doze reais e cinqüenta centavos.
- Num vai certo não, sinhô. - continuou o caboclo, já me fazendo pensar em desistir da compra. - Esse cinqüenta centavos que o sinhor fala me dexa disconfiado. Dispois, vai sobrá casar separado e num vai certo.Eu só sei vendê de barde memo. O sinhor vê aí com suas conta quantos barde o sinhor vai querê , eu encho os barde e o sinhor leva.
Eu já meio nervoso, peguei uma calculadora no carro, chamei o rapaz , fiz ele olhar para o visor da calculadora e calculei:
- Olha aí, 25 dividido por seis igual a quatro virgula desesseis. Está bem? Então eu vou querer quatro baldes e mais uma espiga. O senhor separa aí pra mim.
- Num vai não, sinhô. Eu já falei pro sinhor, uma espiga sozinha eu num posso vendê não sinhor. Eu só vendo de barde memo.
Já quase sem paciência, eu decidi:
- Está bem.. Então o senhor me encha cinco baldes.
O caboclo, na calma de sempre, pegou dois baldes e foi até dois balaios cheios de milho que estavam ao lado, pegando uma espiga de cada balaio, começou a encher cada balde.
Eu já tinha perdido muito tempo e estava tão ansioso que já não aguentava mais, fiquei indignado com aquilo, então perguntei:
- Eu não estou entendendo, porque o senhor está pegando cada espiga de um vasilhame?
- Ué, eu num falei pro sinhor que cada barde tem que ter treis casar? Então: desse lado, os espiga com cabelo cumprido, é as muié e, do outro lado, os careca, que é os home, juntando os dois, forma um casar...

segunda-feira, 13 de julho de 2009

CAMINHOS (2001)

Campinas tem pressa.!!!
Campinas têm pressa de mudanças no secretariado. Mas que funcione
Campinas tem pressa na decisão sobre o Viracopos . Mas que sejam justos.
Temos pressa na justiça na solução dos crimes. Que prendam as pessoas certas.
Temos pressa na criação de uma Guarda Municipal armada. Mas que defendam o cidadão.
É preciso retirar as crianças das ruas. Mas que sejam atendidas
É preciso melhorar as condições de vida. Mas não aumentem os nossos impostos.

A governabilidade em Campinas tem que ser tomada de mão
As rédeas do governo se arrastam pelo chão.
Critérios indefinidos, os funcionários sem ação
População sem serviços, veja a situação: a saúde adoece, educação diminui, a insegurança cresce.
Sem ações a população sofre:
Os buracos aumentam e o carro quebra.
O Viracopos não sai o malandro aparece.
As drogas se drogam. As angustia se angustiam. O abandono se abandona.
Ficam suspensas as caminhadas, as calçadas, as peladas.
Ficam permitidos, a exploração, a invasão, o ladrão.
A policia não vem e o povo morre.
E a eleição chega e o político corre.

SINFONIA DE UMA PRAÇA

Um fundo sonoro triste preenche o nosso coração quando um ente querido sofre alguma dor ou é submetido aos cuidados de um hospital.
Uma sinfonia medonha tomou conta de nossa família nesta semana quando a nossa mãe, matriarca da família, sofreu uma cirurgia. Guiado ainda pelas notas musicais, fui encarregado de buscá-la no dia de sua alta.
Do quarto do hospital onde estava internada, estende-se um corredor que ao seu final abre-se uma grande janela que dá vistas à uma praça com grandes arvoredos. Estava então a esperar que os profissionais preparasse a paciente para levá-la para casa e resolvi apreciar da janela os movimentos da rua.
Era uma quarta-feira, cinco horas da tarde, a vista da praça me encantou de sobremaneira que fiquei por algum tempo a admirá-la.
Estava a pensar que por aquela janela algum paciente que porventura não estivesse contente com sua vida pudesse até se desfazer dela saltando lá embaixo. Mas a bela paisagem me fez buscar outras maravilhas como árvores centenárias, várias pessoas sentadas, algumas crianças. Uma banca de revistas e outra de frutas disputam os clientes que passam.
Pensei também que algum doente pudesse enxergar da janela uma nova vida e buscar entre os arranha-céus e as dores, uma saída, um pouco de paz e harmonia.
Não passava das cinco e quinze quando de repente, uma nuvem de pássaros começou a invadir o espaço aéreo da praça e pousar nas copas da árvores. Eram rolinhas, ou pequenas pombas, que em grupos de dezenas ou centenas, vinham de todas as direções. Em poucos minutos as copas das árvores estavam completamente marrons e os movimentos de vai-e-vem das trocas de galhos faziam um ruído interessante. De repente não estava mais ouvindo a música triste da sinfonia do meu coração. Estava alegre e imaginando os poucos espaços que aqueles pássaros ainda podiam ter para viver. Imaginei que naquela praça pudesse ser um ninhal, onde a reprodução daquelas aves estivesse garantida.
Mas, por ironia , ou para me decepcionar, uma música forte feito estampidos ecoou no largo da praça. Um homem, dono da banca de revistas, incomodados pelas fezes que as aves produziam no telhado de seu comércio, lançou muitas bombas e rojões, provocando um revoar das aves e assustar inclusive as pessoas e crianças que naquele momento aproveitava da tranqüilidade da praça.
- Ele faz isso todos os dias, disse uma camareira do hospital que passava no corredor. Mas depois elas voltam, elas sempre dormem nesta praça.
Que triste momento. A sinfonia triste voltou a tocar em meu coração. Fiquei a comparar aquele homem ao Hitler da Alemanha, que incomodado com a pobreza e simplicidade de um povo resolveu eliminá-los.
Pensei que, se o nosso governo, neo-liberal, se incomodar com o nosso modo simples de viver, da nossa falta de moradia, da nossa pobreza e desemprego; e ao invés de investir em infra-estrutura para fazer crescer este povo, resolve espantá-los do seu espaço ou do espaço que ele conquistou usando bombas ou outros artifícios piores.
Pensei se a nossa vida será garantida, se continuar existindo pessoas egoístas, que de posse de um espaço ( ou cargos) cedido por lei ( ou pelo voto) se sintam no direito de tomar para si o direito de comandar batalhas unilaterais que visam somente o seu benefício.
Precisamos proteger as nossas aves e garantir os espaços conquistados. Precisamos continuar buscando eliminar sinfonias tristes e trazer de volta o som alegre das bandas das praças e dos coretos...

È hora de fechar a janela. As aves já voltaram e pousam tranqüilas das copas das árvores. Vamos para casa.

sábado, 11 de julho de 2009

GRÃO DE AREIA


Na estrada que liga Caconde à Divinolândia, duas cidades próximas à Poços de Caldas, observei uma placa de indicação para uma certa " Praça do Mirante" e resolvi desviar do caminho para conhecer o tal ponto turístico.
Cravado na Serra da Mantiqueira, à mais ou menos um quilômetro da estrada e onze quilômetros de Caconde, o local foi presenteado pela prefeitura com uma estrutura em forma de observatório, donde pode-se enxergar a vida e a natureza num raio de dezenas de quilômetros em todas as direções.
Uma série de vales e montanhas e grande porção de água represadas pela Empresa Furnas, deslumbra pela beleza de um horizonte cada vez mais belo, com veios de plantações de café, batata e cebola. Observando os pontos mais distantes notamos sempre o encontro do céu com as pontas dos morros mais altos, nos tirando o poder de ver mais longe.
Esta realidade maravilhosa da natureza nos faz repensar o nosso pequeno tamanho em relação à grandiosidade do poder da criação divina.
Quantas vezes passei por aquela estrada cheia de curvas e barrancos e não consegui sequer imaginar o imenso poder do universo de criar e destruir. Imaginei o sol escurecendo e fazendo-se noite e olhei para o céu azul imaginando o espetáculo que ele nos proporcionaria à noite com seus pontos de luzes entre estrelas, planetas e meteoritos a se moverem.
Imaginei se este mesmo sol, responsável pela criação do verde, da vida, da energia, se movesse um pouquinho mais em nossa direção com seu calor intenso. Que destruição teríamos na Terra: as águas se transformariam em vapor, a terra se tornaria um imenso deserto e todos os seres vivos sofreriam completa mudança de comportamento e destruição.
Assim como a natureza, os homens também podem, dentro de sua pequenez, construir ou destruir, ajudar ou prejudicar, amar ou odiar, participar ou se esconder. Idéias inovadoras podem parecer fantásticas ao primeiro olhar ou percepção, mas se olharmos nos seus horizontes, nas suas nascentes, talvez descubramos o fator destrutivo que elas trazem no seu âmago. Quantas leis ou idéias nossos representantes do governo aprovaram em nome do desenvolvimento e da modernidade que estão se transformando o nosso lugar de viver ( Brasil) num próspero mundo de ignorância, violência, de destruição da natureza e do próprio homem.
Mas apesar dos homens, Deus dentro de sua grandiosidade, pode atender às nossas orações e fazer com que os cidadãos da nossa terra possam: participar mais, escolhendo pessoas mais sábias da lei divina; construir mais conhecendo as prioridades do mundo; amar mais sentindo no coração o desejo de ser solidário.
Porque a Terra é apenas um grão de areia neste universo sem fim e o homem é m microorganismo que se multiplica sem controle e se fortalece bombardeando ações em todas as direções do cosmo.

UMA XÍCARA DE AÇÚCAR


Numa visita à um amigo no sitio na região de Caconde, fiquei surpreso com as relações que ainda existem entre as pessoas moradoras no campo.
A disponibilidade de ajuda, a troca e a solidariedade, faz com que aquelas pessoas se sintam bem sem a necessidade de possuir grandes posses ou grandes confortos. Um equipamento pode servir a vários vizinhos e a manutenção dele em boas condições é muito favorável à todos.
Nas cidades, ou melhor, na maioria das cidades, este privilégio acabou a muito tempo. Temos hoje vizinhos que nem ao menos sabemos o nome. Muitas vezes, o respeito ao direito pessoal é totalmente ameaçado por brigas, algazarras, festas abusivas e até a presença de animais barulhentos que impedem a tranqüilidade do descanso, da leitura ou do trabalho doméstico.
O egoísmo nas cidades é tão grande que as pessoas jogam seus entulhos e lixos nas calçadas do vizinho, nos terrenos vizinhos e depois ficam a reclamar que os ratos e baratas proliferam e invadem suas residências causados pelo seu próprio lixo.
As comunidades estão perdendo seus membros para o mundo solitário dos grandes muros, onde as pessoas se comunicam através de interfones e câmaras de vídeo. As igrejas estão se esvaziando de amigos cooperadores e se enchendo de falsos cristãos à procura de soluções para o seus problemas mais imediatos, que quase sempre são a doença e a falta de dinheiro.
Ninguém hoje se coloca à disposição para colaborar na solução de problemas comuns. Todos criticam os governantes por todos os fatos e suas conseqüências. Ninguém se lembra de que uma casa é construída de pequenos tijolos. De que pequenas obras em comunidade rendem muitos benefícios. Todos querem se fechar em seus redutos seguros e usar o telefone para cobrar o imposto que pagou e não recebe os benefícios em troca.
Quando alguém se destaca numa posição de defensor da comunidade, todas as críticas são canalizadas a ele, e ninguém se coloca à disposição para colaborar. Bobo daquele que se candidatou para servir de representante desta massa de manobra capitalista e egoísta que só vê motivo de participar se houver algum retorno financeiro ou vantagem pessoal.
Todos querem dar a sua parte em dinheiro. Aquele s que não os têm dão a sua parte em cobrança e exigência.
Eu gostaria de poder “comprar” uma boa escola pública para os meus filhos, um serviço de saúde público de boa qualidade, uma praça para andar de bicicleta em segurança.
Eu gostaria de poder “comprar” de volta a solidariedade e a paz de um povo que perdeu o direito e a alegria de ter vizinhos e amigos a quem possa pedir emprestado uma xícara de açúcar.
Eu gostaria de poder “comprar” de volta o amor próprio das pessoas, que está sendo vendido em troca de prazeres passageiros.
Eu gostaria de poder “comprar” o direito de meu filho crescer livre e feliz, e poder viver sem medo, sem angústia e sem depressões.
Eu queria...

INVERSÃO DE VALORES

Uma manchete do jornal nos chama a atenção:” Um carro-bomba explodiu em Jerusalém”. “Com certeza foram grupos militantes palestinos” afirma o correspondente do jornal.
Será a mesma Jerusalém da bíblia? Serão os mesmos palestinos? O que faz com estes povos se enfrentam tanto?
O mundo é movido por interesses. A quem interessa esta guerra? Aos Estados Unidos?
É certo que muitos tipos de armas estão sendo testados nos campos de batalha de Israel. Muitos mísseis, muitos tanques. O povo é usado como massa de manobra.
Aqui no Brasil também vivemos uma guerra. De um lado bandidos organizados com armas sofisticadas e de outro a polícia sempre mal avisada, surpreendida e mal aparelhada (mal preparada).
Enquanto os traficantes de armas e drogas usam micro-câmeras, Internet, tecnologia de última geração, os policiais brasileiros continuam a usar o revólver calibre 38 (ou de 1938) como arma de mão.
A quem interessa esta guerra? Porque não se prendem os cabeças? Será que não se sabe quem são?
Porque será que a CPI do Narcotráfico sempre esbarra em políticos, empresários, religiosos e poderosos que nunca vão para a cadeia?
Os valores estão se invertendo. Os bandidos estão controlando a polícia, os bairros, as cidades. Daqui a pouco, muito pouco, os bandidos irão controlar as prefeituras, o estado, o país.
Que direito é este que o bandido tem de usar telefones celulares nas celas, Televisor a cores, cardápio nutricional, serviço de saúde especial e ar condicionado? Porque nós, cidadãos de bem não o temos. Nós também temos direitos de ter direitos.
Quem mantém estas ONG’s ( Organizações Não Governamentais) que defendem os direitos humanos dos bandidos? Teremos também uma ORGANIZAÇÃO GOVERNAMENTAL que defenda nossos direitos?

A BASE DA PIRÂMIDE


Outro dia li no jornal a seguinte notícia: “ Hotéis da região das águas ficam repletos com o feriadão. Muitas pessoas deixaram suas casas para se deliciarem em hotéis de 3, 4 e 5 estrelas “.
Sabem quanto custa um pacote ( 4 dias) no Hotel Vacance de Águas de Lindoia? Apenas R$ 2400,00 por casal. Quase seis salários mínimos por quatro dias de mordomias e sossego.
Então fiquei a pensar nesta situação em que se encontra o mundo: de um lado o ápice da pirâmide com a elite que mata a sede com champanhes francesas, enquanto que na base a pobreza toma água contaminada, tiradas de buracos ou cisternas sem saneamento ou limpeza.
Pensei nas mães que vejo passar nas ruas em busca do serviço de saúde municipal, com as mãos , o colo e a barriga cheios de crianças mal nutridas, mal vestidas e mau cuidadas.
Quantas cestas básicas daria para comprar com R$ 2400,00. Quantas camisetas poderíamos comprar ? Quantos litros de leite?
Não podemos dizer que o casal que se hospedou no Hotel Vacance é culpado. Não podemos dizer que aquela mãe é culpada de ter tido tantos filhos que nem pai tiveram para reconhecer.
Podemos afirmar com certeza que razões políticas e capitalistas somam-se para ter formado este perfil de gerações de homens e mulheres desta década.
Sinto saudades do Grupo Escolar, do INPS, da Guarda Civil. Pelo menos naquela época não se ouvia falar de bandidos com direitos à segurança enquanto cidadãos não podem sair de casa. Que não se gastavam mais de R$500,00 por mês para manter um criminoso na cadeia enquanto que hoje muitas famílias não têm direito ao trabalho para ganhar um raso salário mínimo.
Quando será que os governantes vão perceber que é preciso começar pela base. Que não adianta prender os bandidos: é preciso dar condições às crianças para não se tornem marginais. É necessário garantir os direitos de todos os cidadãos, presentes na constituição: direito à saúde, à educação e segurança com qualidade e igualdade.
Não adianta a alfabetização em massa para crianças sem educação.
Não adianta receitar antibióticos para crianças desnutridas.
È preciso virar a pirâmide de ponta-cabeça. Talvez desta forma a elite sinta o peso da responsabilidade do mundo de marginalizados que se está criando.

COLEÇÕES DE HOMENS

Quando passo nas ruas e vejo algum idoso a caminhar, a regar um jardim ou até sentado em algum banco de praça que porventura ainda exista, fico a pensar o quanto de experiência e conhecimentos estão a bailar nas cabeças daquelas pessoas.
De repente começo a comparar as vidas das pessoas como máquinas construídas para executarem tarefas pré determinadas. Máquinas que deveriam ser aprimoradas e com o tempo se adequarem ou substituídas.
O crescimento da tecnologia se faz num tempo tão curto e tão rapidamente que o próprio homem que a criou não consegue acompanhar e absorver sua aplicação num âmbito global.
Vejam por exemplo o micro computador. Nem mesmo a geração que a criou se adequou à sua performance e de repente já podemos ver dessas máquinas encostadas jogadas em depósitos de sucatas. Todos os dias novas criações são oferecidas ao mercado.
Tantas são as pessoas que lutam para entender como funciona o cartão magnético do banco e já se pensa em substituí-lo por outras tecnologias: Internet, Telefonia Celular, Banda A,B,C,D,E..., Waap, Megabytes. Até onde vamos chegar?
A robotização da máquina caminha tão rápido quanto o computador. O próprio robô criado pelo homem já é capaz de se criar e se multiplicar. Será que os filmes de ficção estão certos? E o homem? Onde ficará?
Aqueles idosos seriam máquinas enferrujadas que estão superadas e já não produzem mais e por isso devem ficar num galpão velho ou num quartinho qualquer abandonado? Devemos mandá-los para um museu ?
Não. Não podemos deixar que esta história se perca num museu qualquer. A causa do crescimento da inteligência humana não pode engolir a própria razão de sua existência.
Não. Não queremos ser máquinas de fazer máquinas. Devemos antes de tudo ser seres humanos, capazes de sentir emoções, de amar, de proteger, de enxergar com olhos de filhos da natureza e não criação das leis da física, da química ou da biotecnologia.
Queremos envelhecer vivendo o prazer da liberdade, sendo amados por seres humanos criados em atos de amor, vivendo emoções e carinhos e não ser deixados num canto do mundo como máquinas superadas .
Os nossos idosos são história, são virtudes, são selos raros. Vamos colecioná-los em nossos corações.

A JABUTICABEIRA NO MEU QUINTAL


Um dia eu plantei uma jabuticabeira no meu quintal e quando ela soltou as primeiras folhinhas sob o meus cuidados eu pensei:
- Puxa, vai demorar sete anos para que eu possa colher algumas frutinhas dessa árvore...
E a árvore cresceu um pouco e no ano seguinte já soltava os primeiros galhos e eu já aproveitava de sua sombra. E todos os dias que eu a via com folhinhas novas eu trazia um pouco de água e a saudava com palavras de ordem:
- Cresça logo, seja forte ..
E ela cresceu e tantas coisas aconteceram. Outras pessoas vendo-a forte e vigorosa começaram a cuidar dela tambem.
E tantas coisas aconteceram. E um dia eu achei que não podia mais cuidar dela, mas ela respondeu com uma nuvem branca de flores perfumadas e me saudou com uma palavra de ordem:
- Seja Forte . Voce ainda vai ainda um dia, subir nos meus galhos para colher os meus frutos. E assim foi...
Ontem eu amarrei a rede em um de seus galhos e pensei:
- Um dia eu te plantei pequenina e afaguei suas pequenas folhas e hoje você me sustenta eu teus braços, e eu nem consigo acariciar toda a sua grandeza, só posso dizer:
- Muito obrigado...
E ela balançou as ramas com uma brisa que passava e me acenou formosa mostrando os primeiros botões que se espremiam entre seus troncos.
- Deus te abençoe...